quarta-feira, 29 de junho de 2016

A anatomia de Leonardo da Vinci

A anatomia de Leonardo da Vinci

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Muitos o conhecem por suas obras artísticas, mas desconhecem a enorme contribuição que ele ofereceu para as ciências naturais e exatas. Hoje falaremos um pouquinho sobre a “ajudinha” de Leonardo da Vinci para a compreensão da anatomia humana.
Como artista, ele rapidamente se tornou mestre da anatomia topográfica, realizando muitos estudos de músculos, tendões e outras características anatômicas visíveis. Aos 48 anos, recebeu a permissão para dissecar cadáveres humanos em alguns hospitais.
Junto com o médico Marcantonio della Torre, elaboraram um trabalho teórico sobre a anatomia, em que Leonardo fez mais de 200 desenhos. Este foi publicado apenas em 1680 (161 anos após sua morte), integrando o Trattato della Pittura.
Leonardo desenhou detalhadamente o esqueleto humano e suas partes, bem como os músculos e nervos, o coração e o sistema vascular, os órgãos sexuais e outros órgãos internos. Foi um dos primeiros a desenhar com precisão anatômica o feto dentro útero.
estudos anatomicos do ombro
Observações de Da Vinci da anatomia do ombro .
estudos de embriologia
Observação do feto no útero por Leonardo da Vinci.
 Como artista, Leonardo observou e registrou cuidadosamente os efeitos da idade e da emoção humana sobre a fisiologia, estudando em particular os efeitos da raiva. Ele também desenhou muitas figuras importantes que tinham deformidades faciais ou sinais de doença.
estudos do cranio
Observação do crânio e suas dimensões por Leonardo da Vinci.

Leonardo frequentemente foi descrito como o modelo do homem do Renascimento, alguém cuja curiosidade insaciável era igualada apenas pela sua capacidade de invenção. É considerado um dos maiores pintores de todos os tempos e possivelmente a pessoa dotada de talentos mais diversos a ter vivido.
Para entender a importância dos estudos anatômicos realizados durante o Renascimento, basta imaginar que, por quase mil anos antes, questões religiosas e culturais impediram o homem de explorar o próprio corpo e de entender o funcionamento da máquina humana – as dissecações para a observação direta do corpo humano não eram permitidas nem adotadas pelas escolas de medicina medievais.
Leonardo da Vinci foi uma das figuras mais importantes do Renascimento e se destacou como cientista, matemático, engenheiro, inventor, anatomista, pintor, escultor, arquiteto, botânico, poeta e músico.

Esplendor dissecado: A visionária arte anatômica de Nunzio Paci

Nunzio Paci é um artista italiano que pinta corpos humanos entre a evisceração e renascimento. Seu interesse gira em torno da mutação a partir do relacionamento humano com a natureza. Sua arte, inspirada nas ilustrações da anatomia do Renascimento italiano, reinveste uma admiração antiga das estruturas do corpo com uma exploração figurativa da mortalidade e do espírito; como veias e músculos que brotam em raízes e ramos; rostos melancólicos encarnam a perpetuidade da vida. Destaque aqui cinco dos trabalhos mais recentes de Paci, que segundo ele, são parte de um ciclo dedicado aos mestres barrocos.
















terça-feira, 28 de junho de 2016

Os artistas e a Anatomia

Os artistas e a Anatomia

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Recentemente o artista italiano Nuncio Paci criou uma série de trabalhos dedicados ao Barroco, no seu estilo bem próprio onde expõe o corpo “vivisseccionado”. A Anatomia é parte essencial do repertório do artista, sendo tematizada em sua obra como um elemento estético.
A tradição, porém, atribuiu um uso instrumental à Anatomia – que por isso tem sido estudada sistematicamente desde o Renascimento, figurando já na antiguidade clássica como um saber necessário ao métier artístico, um padrão de maestria e a bitola da boa arte. Essa distinção durou até a segunda década do século XX – com pausa de um século para o começo e fim das vanguardas modernistas – e agora retorna, nas últimas duas décadas, depois de um século de experimentações e implosões do campo artístico. Mas reaparece de modo bem diverso.
Há cerca de dez anos, o médico e anatomista alemão Gunther von Hagens espantou a comunidade científica ao expor para o grande público cadáveres plastinados como se possuíssem valor artístico – legítimas obras de arte, em exposições que itineram por todos os continentes ate hoje. Tratava-se de uma técnica de dissecação e preservação dos corpos, patenteada por ele na década de 70, com a qual banhava-se em ácidos e se enxertava um polímero nas veias e artéreas, tornando os cadáveres perenes, sem odor, e facilmente manipuláveis. Além da inovação técnica, o estardalhaço se devia ao fato de Hagens atuar como artista e tratar seus corpos com ampla liberdade, expondo-os em poses e situações como se estivessem vivos.
Corpo plastinado por Gunther von Hagens
Corpo plastinado por Gunther von Hagens
Esses são apenas dois exemplos contemporâneos dessa disciplina que interessa também às áreas da Arquitetura, Design, Ergonomia, Teatro, Dança e Antropologia. A pesquisa anatômica, tanto na arte, quanto na medicina, nunca cessou. É uma grande metáfora do aprofundamento contínuo em nós mesmos e da pesquisa permanente do que somos, matéria prima permanente de poesia.
Leonardo Da Vinci é a primeira imagem que nos ocorre quando o assunto á Anatomia e Arte. No entanto, a história da Anatomia é bem mais antiga. A figura humana sempre figurou como a principal temática artística, desde as pinturas rupestres. Era tema exclusivo na arte grega, onde se chegou ao ápice da poiesis formal na antiguidade – retórica plástica com que se valeram seus artistas para retratar um corpo ainda “sagrado”. Na Grécia era a realidade de deuses antropomórficos o que se tratava de representar; estava em jogo a esfera sacra que se evidenciava por meio do corpo humano. Mas na Grécia, curiosamente, cadáveres não eram dissecados.
"Fauno de Barberini" ou "Sátiro dormindo", 220 aC (cópia romana em mármore do original grego de bronze)
“Fauno de Barberini” ou “Sátiro dormindo”, 220 aC (cópia romana em mármore do original grego de bronze)
As referências históricas são confusas. Foi Alcameon de Croton (500 a.C.) que forneceu os mais antigos registros de observações anatômicas reais, tendo dissecado, como de costume, somente animais. Este procedimento era comum, uma vez que dissecações eram proibidas legalmente por motivos religiosos: desde o antigo Egito a imortalidade era um estatuto dos nobres, e o corpo continuava vivendo após a morte. A maior parte das observações anatômicas do período grego foi feita a partir da abertura, em especial, do macaco africano. O próprio Aristóteles teria dissecado símios, e somente meio século depois dele é que Herófilo da Calcedônia (335 a.C) disseca efetivamente um cadáver humano, dando início à Medicina. Erasístrato de Quios (290 a.C.) colaborador de Herófilo, também dissecou corpos humanos e instituiu a famosa Escola de Alexandria, dando impulso às ciências anatômicas.[1] Aqui oferecemos um histórico mais expressivo do percurso da Anatomia.
Para além de um cronograma de datas e nomes, o que hoje importa do espírito grego que animava a arte, sobretudo, é o fato de que:
O artista não pretendia reproduzir a forma individual, antes procurava, através dela, a proporção divina que rege o Cosmos. Acreditava-se que poderia ser encontrado um sistema matemático que permitisse a definição da beleza humana, relacionando-a com a ordem cósmica. No ideal grego, o universo constituía um conjunto harmoniosamente ordenado. O sustentáculo matemático desta ordem, o número de ouro, é uma fração que pode ser aplicada a formas geométricas complexas. A proporção áurea foi descrita no século V a.C. por Pitagóricos e, um pouco mais tarde, por Euclides. Uma vez que a proporção áurea se repetia na natureza, a satisfação estética estava criada quando ela era usada na arquitetura e na arte. A sua presença na forma humana ideal confirmava que nos encontrávamos perante mais uma prova da perfeição matemática do universo.[2] (ISABEL RITTO, As Idade do desenho)
Ainda antes de Da Vinci, mas já num período em que brilhavam as primeiras luzes do Renascimento, a Anatomia aparecia no Ocidente – época bastante tardia se comparada ao que então se sabia na China. Há poucos anos, historiadores surpreenderam-se diante da descoberta de um corpo dissecado e preservado que data do ano 1200; supunha-se até então que as dissecações na Europa datavam do século XV[3].
Múmia recentememnte encontrada datando do século XIII (a mais antiga dissecação encontrada)
Múmia recentememnte encontrada datando do século XIII (a mais antiga dissecação encontrada)
Em termos de registros artísticos, o pioneiro é mesmo Da Vinci. Antes dele apenas as “folhas fugidias” – gravuras soltas com ilustrações rudimentares – circulavam entre os meios ainda mal estruturados da medicina de então. Leonardo foi descrito por Freud como o “primeiro homem a acordar do sono medieval” – apropriara-se do conhecimento anatômico para fins artísticos e vice-versa. Atribuindo caráter estético à ilustrações científicas, revigorou a ciência e a arte num mesmo gesto de poderosa síntese. Para um pensador típico do auge do Renascimento, onde se revitalizava o recurso clássico da integração do conhecimento, os âmbitos do “saber fazer” não poderiam acontecer de forma desintegrada; Da Vinci chegou a afirmar que a verdade anatômica na Arte só poderia ser atingida na mesa de dissecação.
LEONARDO DA VINCI, "Músculos do ombro e braço e ossos do pé" 1510-11 |
LEONARDO DA VINCI, “Músculos do ombro e braço e ossos do pé” 1510-11 |
De contemporâneos de Da Vinci nos séculos XV e XVII, poderíamos citar inúmeros outros artistas que estudaram Anatomia, todos bastante conhecidos, como Albert Dürer, Rafael Sânzio e Michelangelo. Este último merece destaque nessa área, especialmente após a tese de dois médicos brasileiros A Arte Secreta de Michelangelo: Uma lição de anatomia no teto da Capela Sistina, lançada em 2004. Nesta importante e semiesquecida publicação, os médicos Gilson Barreto e Marcelo Oliveira expõe a impressionante descoberta de dezenas de estruturas anatômicas ocultas em silhuetas em todas as figuras do afresco, decodificada por um sistema de “pistas”. A descoberta é fenomenal, porém pouca atenção recebeu da crítica.
Assim, no século XVI, a obra que dá efetivo seguimento ao acúmulo herdado no Renascimento é o espetacular tratado De Humani Corporis Fabrica (Suíça, 1543) – de Andreas Vesalius (Bruxelas, 1514|1559) que serviu de base sistêmica à Anatomia moderna. A incerteza quanto a autoria das imagens deste tratado sugere como a interface entre Anatomia e Arte estava presente naquele momento: certas versões afirmavam que as ilustrações foram realizadas pelo próprio Michelangelo; outras que se tratava de plágio de desenhos de Da Vinci. Hoje sabe-se que foram feitas no atelier de Ticiano por Jan Steffen Kalkar e Domenico Campagnola, sob a supervisão do mestre. Algumas ilustrações são do próprio Vesalius[4].
Frontispício do Tratado de Andreas Vesalius “De Humani Corporis Fabrica” (1543)
O primeiro tratado de Anatomia que se valeu de ilustrações artísticas na Península Ibérica foi o de Bernardino Montaña – Libro de la anatomía del hombre (1551) mas os ensinamentos de Vesalius foram representados na Península Ibérica pelo médico espanhol Juan Valverdde (1525), que ajudou a popularizar a doutrina Vesaliana por meio das 16 edições em quatro idiomas (castelhano, latim, italiano e grego) de sua própria obra Historia de la composición del cuerpo humano (1556). Ilustrada com 42 gravuras de cobre “que seguem a prática dos livros de anatomia da época, buscando o didatismo por meio do ensino prático e visualização,”[5] essa obra contou com ilustrações dos artistas Gaspar Becerra, e Nicolas Beatrizet (1507–1570).
GERAR DE LAIRESSE | Ilustração para o Tratado de Bodloo "Medicinae Doctoris & Chirurgi, Anatomia Hvmani Corporis" (1685).
GERAR DE LAIRESSE | Ilustração para o Tratado de Bodloo “Medicinae Doctoris & Chirurgi, Anatomia Hvmani Corporis” (1685).
Os sketchbooks de Da Vinci são desta mesma época, mas, embora com qualidades técnicas e estéticas notavelmente superiores, não foram publicados. Isso por dois motivos: tratava-se de investigações pessoais (o que permitia uma maior variedade de técnicas) nunca transformadas em tratado (a despeito do desejo do artista); e, após sua morte, grande parte destes cadernos foi recolhida pela Igreja Católica, suspeitosa de quiromancia, vindo a público somente no século XVIII quando as descobertas científicas que havia neles já haviam deixado de ser novidade.
CHARLES ERRARD, ilustração para o tratado "Anatomia per Uso et Intelligenza del Disegno" (1559)
CHARLES ERRARD, ilustração para o tratado “Anatomia per Uso et Intelligenza del Disegno” (1559)
Ainda nesse mesmo espírito transdisciplinar, no século XVII aparece Govert Bidloo (1649 –1713), médico e anatomista holandês – também poeta popular, libretista de óperas e autor dramático. Junto do artista Gérard De Lairesse (Holanda, 1640 | 1711) Bodloo elabora o Medicinae Doctoris & Chirurgi, Anatomia Hvmani Corporis (Amsterdam, 1685). Lairesse, pintor e teórico de Arte possuidor de profunda cultura, inicia um movimento realista dentro da ilustração anatômica. (Veja aqui o belo fac-símile do tratado de 1685).
Desse mesmo período, merece também nota o italiano Bernardino Genga (1620-1690), estudioso de textos clássicos médicos, cuja obra foi reunida no livro Anatomia per Uso et Intelligenza del Disegno (algo como “O uso da anatomia para o desenho inteligente”) de 1559,  contendo 59 gravuras de Charles Errard (França, 1606 | 1689)
JAN WANDELAAR | ilustração para o tratado "Tabulae sceleti et musculorum corporis humani" (1747),
JAN WANDELAAR | ilustração para o tratado “Tabulae sceleti et musculorum corporis humani” (1747),
Décadas depois surge a famosa publicação de Bernhard Siegfried AlbinusTabulae sceleti et musculorum corporis humani (Leiden, em 1747), com as belas ilustrações de Jan Wandelaar (1690-1759). A precisão científica de ambos contribuiu para consolidação deste livro como material obrigatório na Medicina e na Arte, ainda hoje utilizado em manuais de Anatomia Artística.
Do século XVIII em diante o suporte anatômico aos artistas tornou-se abundante em fontes, tratados, artigos, esculturas, etc. inclusa a possibilidade de frequentar Universidades de Medicina – campo aberto a este tipo de prática, logo incorporada como disciplina nas Academias de Belas Artes. A escola Neoclássica representa o momento da mais alta fusão entre Anatomia e Arte (depois do Renascimento italiano), onde o desenho anatômico passava a ser observado com rigor absoluto no julgamento das obras plásticas. Inúmeros artistas figuram neste período, destacando-se a obra de Jacques-Louis David (Paris, 1748|1825).
Hoje uma infinidade de referências de Anatomia Artística para desenho e escultura (tradicional e digital) pode ser facilmente encontrada na web, em sites estrangeiros. Citamos aqui ainda apenas alguns artistas contemporâneos que utilizam a Anatomia de forma expressiva em suas produções – seja como suporte, seja como temática, ou ambos:
ROBERTO FERRI (Itália, 1978)
ROBERTO FERRI, “O beijo” | óleo sobre tela (2015)
ROBERT LIBERACE  (EUA, 1967)
ROBERT LIBERACE (estudo em óleo sobre tela)
ROBERT LIBERACE (estudo em óleo sobre tela)
DINO VALLS (Espanha, 1959)
DINO VALLS, "Flos" (2007) |  Óleo  sobre madeira
DINO VALLS, “Flos” (2007) | Óleo sobre madeira
Fábio Magalhães
FÁBIO MAGALHÃES (Brasil, 1982)
FÁBIO MAGALHÃES "Encontro" (Série Superfícies do Intangível) | óleo sobre Tela, 2014
FÁBIO MAGALHÃES “Encontro” (Série Superfícies do Intangível) | óleo sobre Tela, 2014
VICTOR RODRIGUEZ (México, 1970)
VICTOR RODRIGUEZ, óleo sobre tela
VICTOR RODRIGUEZ, óleo sobre tela
VIKTOR SAFONKIN (Moldávia, 1967)

Plastinação de Gunther von Hagens

Plastinação de Gunther von Hagens


Gunther von Hagens  é um anatomista alemão, inventor da plastinação, técnica que preserva tecidos biológicos.
A plastinação foi inventada em 1977 e por ele patenteada no ano seguinte. Posteriormente, ele aperfeiçou sua técnica e fundou o Institute of Plastination em Heidelberg, em 1993. Ele tem sido professor visitante em Dalian, na China desde 1996, onde dirige um centro de plastinação, como também o State Medical Academy, em Bishkek, Quirguistão. Desde 2004, ele é também professor convidado na Universidade de Nova Iorque, na faculdade de Odontologia.



O QUE  É PLASTINAÇÃO?

A Plastinação é o procedimento técnico e moderno da preservação de matéria biológica, que consiste extrair os líquidos corporais, tais como como a água e os lípidos, através de métodos químicos (acetona fria e morna), para o substituir por resinas elásticas de silicone e rígidas epóxicas. Esta técnica, tem numerosas vantagens, tanto quanto o conservação dos corpos, como na textura, coloração e na aproximação à coisa natural, proporciona uma boa manipulação do corpo, e durável sem necessidade de manutenção. A finalidade da plastinação é a instrução nas ciências naturais, o conhecimento nas áreas de saúde e a exibição museográfica.
Ele teve a ideia de reproduzir cenas do dia a dia.

Após a plastinação, o tecido está pronto para ser manipulado de maneira segura, não há toxinas nem cheiro forte e a peça tem uma vida útil mais longa do que mergulhada em formol.


A plastinação pode ser descrita como uma técnica moderna de mumificação. O procedimento consiste em trocar a água e a gordura dos tecidos por polímeros; o processo de plastinação priva as bactérias do que elas precisariam para sobreviver.



Contudo, os fluídos corporais não podem ser diretamente trocados por polímeros, por causa de sua incompatibilidade química. Gunther von Hagens encontrou uma solução para este problema, com os seguinte procedimento:

Fixação: envolver a parte a ser fixada em uma solução a 10% em formaldeído, o que estabiliza o tecido e previne a autólise. A parte também pode ser dissecada e injetado nos vasos sanguíneos um líquido corante para destacar as estruturas desejadas.

Desidratação: sistemas biológicos tem um alto teor de água, que deve ser removida para a plastinação. Isto é conseguido por um processo chamado de Substituição a Frio no qual as peças são colocadas em um solvente (normalmente acetona) gelado a -25 oC. Então, por um período de 4 a 5 semanas a água do tecido é lentamente substituída pela acetona.

Impregnação forçada: as peças desidratadas são submergidas em um polímero líquido e colocadas sob vácuo, daí o termo Impregnação forçada. O vácuo draga para fora do tecido a acetona, deixando o polímero tomar o seu lugar.

Endurecimento: Em seguida, a peça cheia de polímero é colocada em uma câmera onde entra em contato com um gás de cura. Este gás endurece o polímero fazendo com que a peça fique seca ao toque, em 48 horas. A cura é completa após vários meses.





segunda-feira, 20 de junho de 2016

Fisiologia do coito: análise do desenho de Leonardo da Vinci

O objetivo mais alto do artista consiste em exprimir na fisionomia e nos movimentos do corpo as paixões da alma. (Leonardo da Vinci).
Os desenhos anatômicos de Leonardo da Vinci (1452-1519) foram, ao longo dos séculos, imensamente admirados por artistas, médicos e historiadores. A maioria deles são datados no período entre 1487 e 1513. Somente a partir de 1503 Leonardo viveria sua fase mais ativa de pesquisa anatômica, adquirindo um conhecimento mais exato da anatômia humana através da dissecção de cadáveres. Este fato justifica as imperfeições anatômicas encontradas nos desenhos arquitetados durante a primeira metade deste período.

Referência específica é aqui feita para os desenhos que ilustram a anatomia masculina e feminina no ato do coito. Suas representações sobre o intercurso sexual são uma tentativa de esclarecer e ilustrar a fisiologia apresentada nos livros didáticos do seu tempo. De suas posses literárias mais consultadas, destacam-se os textos de Mondino di Luzzi e Avicena. Ao ler estes livros e outros, Leonardo acessou às ideias de Hipócrates, Aristóteles, Platão e Galeno.

Um breve olhar para o personagem masculino na gravura abaixo revela o incrível "encanamento" interno projetado por Leonardo para descrever a fisiologia aristotélica sobre a reprodução humana:
"O Coito" (1492)
A ilustração evidencia dois canais no pênis, um mais baixo, ligado ao trato urogenital através da uretra, e um canal superior, que passa para a medula espinhal por meio de três vasos.
Detalhe evidenciando os dois canais no pênis.
Segundo a antiga filosofia grega, a "essência" de um bebê seria fornecida por uma "semente universal" pertencente ao macho. Este ingrediente procriador derivaria de um “espírito animal” – material fisiológico fabricado a partir de sangue arterial na base do cérebro e transferido para todas os partes do corpo através dos nervos.

O sêmen desceria a partir do cérebro através de um canal que pode ser visto na coluna vertebral do homem. Isso explica a conexão desenhada por Leonardo entre a coluna e o pênis.

Aristóteles acreditava que os testículos não desempenhavam nenhum papel na procriação, e que apenas forneciam um líquido para lubrificar a vagina durante a relação sexual. Leonardo, que discordou deste conceito, desenhou um grande vaso sanguíneo transferindo a “semente” para o testículo, ilustrando assim o ponto de vista galênico de que os testículos fabricam espermatozóides a partir do sangue. 

A ausência de ovários na figura de sexo feminino é justificada pela crença aristotélica de que os ovários não possuem papel reprodutivo. A fêmea serviria apenas como o solo em que a semente masculina é plantada. Leonardo, portanto, mesclou nesta ilustração os argumentos galênicos e aristotélicos para fisiologia do coito.

Interessante observar a representação dos dois nervos supostamente encarregados de provocar a ereção e a ejaculação: um deles, produto da fantasia de Leonardo, provém diretamente do coração, – ideia não tão absurda se considerarmos o pensamento da época de que tal órgão era o responsável pelo amor. O outro nervo tem suas raízes à nível sacral, o que, evidentemente, esta mais de acordo com o conhecimento atual da fisiologia do coito.

Um curioso detalhe pictórico é a adição de um vaso sanguíneo ligando o fundo do útero à mama. De acordo com o pensamento medieval, este vaso hipotético levaria o sangue menstrual suprimido para as glândulas mamárias, causando assim o aumento das mamas e a lactogênese. Não há como negar a genial associação do pintor, que vincula ambos os órgãos por meio de uma conexão direta, séculos antes de Ferguson descrever o reflexo que leva o seu nome.

Não há dúvida de que o gênio renascentista, pai das grandiosas inovações artísticas da época, era excepcionalmente atento e criativo também nas suas engenhosas representações anatômicas.

REFERÊNCIAS:
1.Coleção Os Pensadores, Aristóteles, Abril Cultural, São Paulo, 1.ª edição, vol.II, agosto 1973.
2.MORRIS, A. G.“On the sexual intercourse drawings of Leonardo da Vinci”.SAMT DEEL69 12APRIL1986.
3..TOPOLANSKI, R. “OBRA EL ARTE Y LA MEDICINA.” CAP 7: La obstetrícia y la ginecologia.

Anatomia do coração no teto da capela sistina, por Michelangelo

Sibilas são um grupo de personagens da mitologia greco-romana, descritas como sendo mulheres que possuem poderes proféticos sob inspiração de Apolo.

A Sibila de Cumas é considerada como a mais importante das dez sibilas conhecidas. Tinha o dom da profecia, e fazia suas previsões em versos. É conhecida como a "sibila de Cumas" por ter passado a maior parte de sua vida nesta cidade, situada na costa da Campânia (Itália).

Apolo, deus que inspirava as profecias da sibila, prometeu-lhe realizar o que desejasse. A Sibila então colocou um punhado de areia em sua mão e pediu-lhe para viver tantos anos quantos fossem as particulas de terra que ali tinha. Mas esqueceu-se de rogar, também, pela eterna juventude, assim foi que com os anos tornou-se tão consumida pela idade que teve de ser encerrada no templo de Apolo em Cumas. Conta a lenda que viveu nove vidas humanas com duração de 110 anos cada.

Michelangelo retratou a Sibila de Cumas como uma profetisa robusta e musculosa, apesar do rosto envelhecido.

Embutido neste afresco, situado no teto da Capela Sistina, nota-se uma fiel representação anatômica da vista anterior do saco pericárdico e dos grandes vasos sanguíneos:
A Sibila de Cumas. Capela Sistina (Itália).
Pistas: O manto sobre a perna direta da sibila tem o formato da representação leiga de um coração. Os dois querubins à esquerda. O querubim de trás repousa a mão sobre o precórdio do querubim que está à frente.


Achados anatômicos: A bolsa pendurada pela alça que emerge logo abaixo do livro adornada com uma franja vermelha, que deixa aparente a extremidade de um rolo de papel, corresponde à vista anterior do saco pericárdico e dos grandes vasos. A veia cava corresponde à alça da bolsa (a), e a emergência da aorta corresponde à ponta do rolo de papel (b). A franja vermelha corresponde à borda do diafragma (c) inserida ao pericárdio.

A coxa e a perna direita da sibila de Cumas chamam a atenção tanto pelo volume como pela cor vermelha iluminada. Também nesta cena Michelangelo retratou, sob outra perspectiva, o coração com o saco pericárdico aberto:

Observa-se acima o coração envolto pelo pericárdio e as duas coronárias – direita (d) e esquerda (e) – percorrendo os seus trajetos estão representados no manto sobre a coxa direita da sibila.  

REFERÊNCIAS:
BARRETO, Gilson "A Arte Secreta de Michelangelo - Uma Lição de Anatomia na Capela Sistina. São Paulo: Arx, 2004

domingo, 19 de junho de 2016

Michelangelo: O Pecado Original e a Expulsão do Paraíso - Anatomia da Região Cervical

Michelangelo: O Pecado Original e a Expulsão do Paraíso - Anatomia da Região Cervical
"Não há nenhum animal cuja anatomia ele não dissecasse, e trabalhou em tantas anatomias humanas que aqueles que haviam passado suas vidas nisso e feito disso sua profissão dificilmente saberiam tanto quanto ele." Condivi, A Vida de Michelangelo

A CENA:

O paraíso retratado por Michelangelo mostra duas situações distintas:

Esquerda: O pecado original (Note a figura feminina sobre a árvore que oferece o fruto proibido a Eva – representa a serpente)
Direita: A expulsão do paraíso (Nessa segunda etapa, os rostos de Adão e Eva aparecem envelhecidos)

ACHADOS ANATÔMICOS:

A intenção de Michelangelo seria a de representar a região cervical. Atente ao fato de que o anjo que ordena a expulsão aponta a espada para a cervical de Adão. Este estica o pescoço, flexionando a cabeça para esquerda.


Tronco junto ao dorso de Eva: Representação do arco aórtico com as coronárias emergindo da base (pequenas raízes), o tronco braquicefálico à direita, artéria carótida comum, artéria carótida interna e externa.


a) arco aórtico; b) veia jugular; c) artéria carótida com sua bifurcação; d) nervo hipoglosso emergindo junto à veia jugular e cruzando a artéria carótida externa.
Árvore principal: Não possui uma linha de continuidade com o galho em que Adão apóia as mãos. Tem-se a impressão de que esse galho está emergindo da parte posterior do tronco, mas, se isso ocorresse, porque estaria projetado para o lado esquerdo, como foi retratado, e não para o plano ao fundo? Nota-se também o braço direito da figura da serpente, apoiado junto a porção superior do tronco, e o braço esquerdo que cruza o galho da árvore no plano anterior.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BARRETO, Gilson "A Arte Secreta de Michelangelo",São Paulo: Arx, 2004
CONDIVI,A; "Life of Michelangelo",TRAFALGAR SQUARE.

O Anatomista Michelangelo Revelado no Teto da Capela Sistina

O Anatomista Michelangelo Revelado no Teto da Capela Sistina
"Em nenhum lugar Deus se mostra mais a mim em sua graça do que em alguma bela forma humana; e só isso amo, pois nisso ele se espelha." Trecho de soneto de Michelangelo
A CRIAÇÃO DE ADÃO - O criador está dentro de um corte sagital do crânio. Podem ser observados a calota craniana com as três camadas - Osso compacto interno, externo e díploe (a), o lobo temporal (b), a hipófise (c) e o tronco cerebral (d).

A ligação de Michelangelo com a medicina foi reflexo da efervescência cultural e científica do Renascimento. Antes de fazer o esboço das figuras que iria esculpir, Michelangelo empreendia uma investigação minuciosa, analisando corpos e fazendo moldes em cera ou madeira das estruturas. As primeiras sessões de dissecação de que participou, ainda adolescente, aconteceram por iniciativa de Elia Del Medigo, médico-filósofo que frequentava o palácio de Lorenzo de Medici.
Segundo um artigo publicado em 1990 pelo médico norte-americano Frank Lynn Meshberger no Journal of the American Medical Association, há uma interpretação, baseada na neuroanatomia para A criação de Adão: o contorno que se inicia no quadril do anjo em frente ao criador e continua ao longo dos ombros de Deus corresponde ao sulcus cinguli (fenda que separa os lobos parietal e temporal). A encharpe verde pendente corresponde à artéria vertebral em seu curso ascendente, curvando-se em torno do processo articular e fazendo contato com a superfície inferior da ponte cerebral, representada pelas costas do anjo que se estende lateralmente abaixo da figura do criador. O quadril e a perna esquerda do anjo corresponde ao cordão espinal. a haste e a hipófise são representadas pela perna e pelo pé do anjo na base da figura.
Nesse mesmo trabalho, Meshberger chama a atenção, ainda, para um detalhe sutil "... os pés de Deus e de adão possuem cinco dedos; no entanto, o do anjo, que representa a haste e a hipófise, possui um pé bífido. A perna direita desse mesmo anjo está flexionada no quadril e no joelho. A coxa representa o nervo óptico; o joelho, o quiasma óptico transeccionado; e a perna, o aparelho óptico."
Meshberger concluía o estudo afirmando que a intenção de Michelangelo seria a de representar Deus fornecendo a Adão o intelecto.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MESHBERGER, Frank Lynn. "An interpretation of Michelangelo's creation of Adam based on neuroanatomy, Journal of the American Medical Association, vol.264, n-14, Blackwell publishing, 1990
BARRETO, Gilson "A Arte Secreta de Michelangelo - Uma Lição de Anatomia na Capela Sistina. São Paulo: Arx, 2004

Histórico do uso de cadáveres humanos

Histórico do uso de cadáveres humanos
A “Anatomia” tem os seus primeiros relatos deste o início da civilização, a partir do instante em que o homem passa observar em outro homem e em outros animais, as várias regiões do corpo das quais eram constituídos (Tavares, 1999; Silvino, 2001). Ao contrário do que muitos pensam, a Anatomia não é uma ciência morta, muito menos de apenas cadáveres. Anatomia, além de não ser uma ciência morta, é essencial para o conhecimento, pois é através dela que os profissionais da área da saúde adquirem conhecimentos dissecando ou observando o corpo humano (Chevrel, 2003).

A ciência “Anatomia” começou nos primórdios da história humana. O homem pré-histórico já observava à sua volta a existência de seres diferentes de seu corpo, os animais. Com isso, passou a gravar nas paredes das cavernas e fazer esculturas das formas que via. Com isso passou a notar detalhes, que hoje nos permite identificar as espécies animais descritas (Silvino, 2001). Estas representações indicam não somente que a pintura pré-histórica nasceu há muito tempo, mas que se desenvolveu em ritmo rápido e atingiu admirável grau de satisfação (Knapp, 2004).

Segundo Valladas et al (2004), a arte do Homo sapiens era bastante elaborada, tanto em termos de realismo quanto de traços artísticos, é o que revela os animais desenhados nas grutas, os quais tem aparência bastante realista.
Da simples observação, passou-se a prática da dissecação, o que levou a anatomia a se firmar como princípio fundamental da prática na “área da saúde” (Erhart, 1976; Alberts, 1997). Segundo Moore (1990) “A anatomia é uma antiga ciência médica básica”.

Na verdade, torna-se impossível distinguir a história da Anatomia Humana e da Medicina visto que estas áreas cresceram e se desenvolveram em "parceria" durante séculos (Oliveira, 1981).

A partir do ano 150 a. C. a dissecação humana foi proibida por razões éticas e religiosas (Petrucelli, 1997). Parece que o estudo da anatomia humana, segundo Petrucelli (1997) e Wecker (2002), recomeçou mais por razões práticas que intelectuais, e o motivo mais importante para a dissecação humana, foi o desejo de saber a causa da morte por razões essencialmente médico-legais, de averiguar o que havia matado uma pessoa importante ou elucidar a natureza da peste ou outra enfermidade infecciosa.

A anatomia da Grécia teve sua origem no Egito (Gray, 1977; Gardner, Gray e O’Rahilly, 1978; Melo, 1989; Moore, 1990; Singer, 1996). Durante o milênio que antecedeu à Cristo, o centro da civilização transferiu-se do Egito para o cenário temperado do mundo grego, onde nasceram os conceitos de medicina racional e de ética médica como parte integrante de uma busca do homem pela verdade objetiva (Melo, 1989; Noronha, 1998).

A história do uso do cadáver humano retrata que o meio mais antigo, de que se tem conhecimento, para conservação de cadáveres, é a mumificação ou embalsamento (Chagas, 2001). Segundo Melo (1989), este método era praticado pelos egípcios com finalidade religiosa e não para preparar cadáveres desconhecidos. Acreditava-se que os mortos continuariam vivos no túmulo, porém era uma graça concedida apenas aos nobres e reis, como pode ser observado pela cabeça mumificada do Faraó Ramses V. No Egito dos Faraós, a mais de 5.000 anos, desenvolveu-se esta técnica de embalsamento, permitindo os primeiros estudos anatômicos das doenças.
Os primeiros cientistas Anatomistas e Médicos foram os egípcios. Após vieram os Mesopotâmios (Melo, 1989). A importância do médico que cuidava dos animais era tão grande para os Mesopotâmios, que o exercício da atividade ganhou destaque até no "código de Hamurabi". Essa importância era devida aos cavalos, pois estes eram: o meio de transporte, máquina de guerra e moeda de escambo (Chagas, 2001).

Foram os gregos que denotaram um maior avanço no estudo da anatomia. A história grega conta que todo guerreiro era hábil em extrair uma ponta de flecha. Os médicos guerreiros conheciam ossos, juntas, músculos e tendões do corpo (Melo, 1989). O cadáver humano não era violado, por questões religiosas e leis oficiais estabelecidas (Chagas, 2001).

Foi Alcameon de Croton (500 a.C.) que forneceu os mais antigos registros de observações anatômicas reais, fazendo dissecação em animais (Gray, 1977; Gardner, Gray e O’Rahilly, 1978; Melo, 1989; Petrucelli, 1997; Soares, 1999) e o seu tratado sobre a natureza tornou-se um texto médico fundamental (Melo, 1989).

Na Grécia, Hipócrates de Cós, criou a célebre "Teoria Humoral da Enfermidade", com base na aparência externa do indivíduo e correlacionando causas e efeitos, ainda que empiricamente (Melo, 1989). Considerado um dos fundadores da ciência anatômica (Gray, 1977; Gardner, Gray e O’Rahilly, 1978; Moore, 1990), e a ele são atribuídos 72 textos e num destes afirmou que “A Natureza do corpo é o início da Ciência Médica” (Melo, 1989; Moore, 1990).

Os “Ensinamentos e Juramento” de Hipócrates deram partida aos códigos moral e ético da prática profissional, e o mundo grego conheceu uma nova imagem do médico, agora sendo um homem simples, humano, real (Melo 1989).

Nessa mesma Roma antiga, viveu Cornelius Celsus, que descreveu os 4 sinais cardeais da inflamação: vermelhidão, inchaço, calor e dor ["Signa inflammationis quatror sunt: Rubor et Tumor, cum Calor et Dolor"], redescobertos em 1443 pelo Papa Nicolas V (Melo, 1989). Escreveu a primeira história médica organizada, traçando sua evolução através da Medicina hipocrática e Alexandrina (Chagas, 2001).

A anatomia humana de superfície foi estudada em obras de arte da Grécia desde o século V a.C. De Anatomia (da coleção hipocrática, meados do século IV a.C.) é talvez o mais antigo tratado de anatomia e do Coração é a mais antiga obra anatômica completa (Gardner, Gray e O’Rahilly, 1978).

Setenta e dois anos depois de Hipócrates, surge Aristóteles, o qual adotava o coração como centro das emoções (Cole, 1944; Gray, 1977; Gardner, Gray e O’Rahilly, 1978). Aristóteles (384-322 a.C.), foi o fundador da anatomia comparativa, sendo o mais famoso dos discípulos de Platô, também não usou cadáveres humanos, concentrando seus estudos de dissecação nos vertebrados (Moore, 1990; Singer, 1996; Chagas, 2001).

Quase meio século depois de Aristóteles, surgiu o primeiro homem a ousar dissecar o cadáver humano, apesar de todos os perigos e preconceitos existentes na época (Chagas, 2001). Foi Herófilo da Calcedônia concretizando o desejo de muitos anatomistas ao dissecar o corpo humano, e assim, desenvolveu um esquema de distribuição, formato e tamanho dos órgãos: descreveu o fígado, o cérebro, os órgãos sexuais. Através dos seus estudos pioneiros nascia a Medicina (Gardner, Gray e O’Rahilly, 1978; Petrucelli, 1997, Soares, 1999).

Já Erasístrato de Quios (290 a.C.) colaborador de Herófilo também dissecou cadáveres humanos e formou a Escola de Alexandria, a qual deu, a partir dali, impulso às ciências anatômicas (Chagas, 2001).

Segundo Gardner, Gray e O’Rahilly (1978), Mondino de Luzzi (1276-1326), o “restaurador da anatomia”, fez voltar, de forma inovadora, o hábito de dissecar cadáveres humanos, adotado por Herófilo e Erasístrato, dando porém mais ênfase à prática anatômica universitária. Realizou dissecações públicas em Bolonha em 1315 e escreveu sua Anatomia em 1316. Nesta época de Mondino, era comum as aulas práticas de anatomia acontecerem na casa do próprio professor (Noronha, 1998). Surgia a fase da real importância do cadáver desconhecido, não só para o estudo da anatomia, como também posteriormente, pré-requisito para a cirurgia (Chagas, 2001).
Depois de Mondino, o uso de cadáver na prática da anatomia teve um retrocesso, com o surgimento de Galeno de Pérgamo, que demonstrou e escreveu sobre anatomia sem ter dissecado um só cadáver humano (Gray, 1977; Gardner, Gray e O’Rahilly, 1978; Chagas, 2001). Galeno teve reconhecimento na Roma Imperial, em relação à prática médica, que percebeu a ação do cérebro sobre todas as manifestações físicas dos doentes romanos (Melo, 1989; Noronha, 1998). A religião grega era mais hostil e dominante do que a religião egípicia, no que se refere a qualquer interferência quanto ao uso dos corpos dos mortos. “As leis romanas impediam o uso de cadáveres humanos para estudos(Chagas, 2001).

Mas um dos pontos fracos do ensino de Galeno foi frustar o desenvolvimento da Medicina por séculos. O conteúdo teológico de suas idéias era bastante aceitável para a crescente teologia da fé cristã, objetá-las tornou-se, com o tempo, uma séria ofensa (Melo, 1989).

Galeno, efetuou estudos fisiológicos em cães, porcos, cavalos, aves, macacos e fez alusão ao ser humano, cometendo desta maneira, grandes erros, descobertos depois por anatomistas de outras épocas (Petrucelli, 1997; Soares, 1999; História da medicina, 2003). Suas descobertas foram ainda utilizadas por 1400 anos (Melo, 1989). Os estudos provenientes nessa época e nas seguintes, dependiam da autorização expressa do rei, ou corria-se o risco de ser preso e condenado (Chagas, 2001).

Em 1315, Frederico II imperador da Alemanha e das Sicílias tornou obrigatório para os cirurgiões o estudo da anatomia em cadáveres humanos, (o conhecimento da anatomia humana é o primeiro requisito para cirurgia) e a partir daí foram fundados cursos de anatomia nas Universidades da Itália, França e toda Europa, posteriormente (Silvino, 2001). Porém existem provas de que as dissecações começaram na Itália antes de 1240. Em 1275, o italiano Guglielmo Saliceto lança “Chirurgia”, é o primeiro registro de dissecação de um cadáver humano (Gray, 1977; Gardner, Gray e O’Rahilly, 1978; Melo, 1989).

Meio às dificuldades, clandestinidade e resistência das classes cléricas e governamentais, um fato importante e histórico acontecia em 1376, quando o Duque Anjou autorizou a dissecação pública e anual de um cadáver, o que constituiu-se num importante avanço para o estudo da anatomia (Chagas, 2001).

Na Idade Média o curso da Anatomia modificou-se quando um artista italiano, tentando esculpir um crucifixo para uma igreja, obteve do prior a permissão para esfolar um cadáver para verificação de seus músculos. Nascia a Anatomia como arte (Melo, 1989).

O Renascimento chegava em boa hora para o bem e progresso da humanidade, pois foi um movimento de renovação de valores, pagando todos os preços que tinha direito, pois o espírito liberal rompia as barreiras do culto cego das autoridades e, aos poucos, ganhava espaço em nome da razão e evolução dos tempos (Chagas, 2001).

A anatomia foi estudada por artistas como, por exemplo, Leonardo da Vinci, que contribuiu muito para a anatomia (Gardner, Gray e O’Rahilly, 1978; Melo, 1989). Estudando com finalidade de buscar a perfeição em suas formas artísticas, acabou por contribuir com a descrição de partes do corpo (Petrucelli, 1997). Ele acreditava que a verdade anatômica na arte só poderia ser atingida na mesa de dissecação (Melo, 1989).

As proporções do corpo humano não foram simplesmente medidas e cálculos, mas um conhecimento exato do corpo, sendo o primeiro a se dedicar de maneira sistemática a analisar a anatomia e as proporções do corpo humano e dos animais (Friedenthal, 1990).

Os desenhos de Da Vinci evidenciam, não só a arte, mas também um profundo conhecimento anatômico, mostrando não apenas anatomia de superfície, mas grupos musculares perfeitos, como os músculos do dorso e membros superiores vistos na figura 19 (Petrucelli, 1997; Tavares, 1999).
A osteologia também teve uma atenção toda especial nas dissecações de Da Vinci, como pode ser observado no livro “O Pensamento Vivo” de Da Vinci” (Claret, 1985). A comparação de imagens obtidas nos modernos aparelhos de tomografia computadorizada com seus desenhos sobre a anatomia oferece uma espécie de revelação: Leonardo acertou com exatidão espantosa, por exemplo, detalhes sobre a posição do feto no interior do útero antecipando imagens modernas (Teixeira, 2004).

Da Vinci é a maior prova de que a arte e ciência caminham juntas de mãos dadas e, na anatomia, o cadáver foi esse elo (Singer, 1996). Segundo Freud, apud Teixeira (2004), “Leonardo da Vinci acordou do sono da Idade Média antes dos outros homens”.

A força e o dinamismo desmedidos do corpo humano atingiram seu ápice com Michelangelo Buonarotti (Melo, 1989). Ele passou pelo menos vinte anos adquirindo conhecimentos anatômicos através das dissecações que praticava pessoalmente, sobretudo no convento de Santo Espírito de Florença (Petrucelli, 1997; Wecker, 2002). Michelangelo também estudou o corpo humano a fundo, e para isso, dissecou e desenhou até que a figura deixasse de ter quaisquer segredos (Gombrich, 1978). Usava modelos vivos para capturar a realidade, sendo retratado em obras como: David uma obra-prima de anatomia; a escultura de Moisés concluída em 1516, traz a estrutura de um ombro dissecado na perna do patriarca bíblico e as imagens do teto da Capela Sistina, que são imensas mas anatomicamente corretas, (Melo, 1989; Meshberger, 1991; Sala, 1995; Teixeira, 2004; Giron, 2004).

Apesar de todo o progresso em relação aos estudos da anatomia humana, a dissecação de cadáveres humanos não só era proibida pela Igreja e autoridades governamentais, como era também punido quem fosse apanhado dissecando. Mas a ciência não podia parar e, movidos pelo ímpeto e desejo de aprender e desmistificar o proibido em prol da ciência, os anatomistas não se davam por vencidos (Chagas, 2001). E, enquanto a autorização não chegava, eles insistiam em dissecar os cadáveres às escondidas, normalmente em calabouços ou subterrâneos devidamente escolhidos para este fim.

No passado apenas os cadáveres de criminosos e assassinos enforcados eram usados nas dissecações. Isto gerou um grave problema que era a quantidade insuficiente de cadáveres para estudo, resultando com isto o aparecimento dos chamados “ressucitadores” que eram pessoas que supriam, com cadáveres roubados, os famosos médicos e anatomistas da época (Melo, 1989; Chagas, 2001).

A anatomia foi totalmente reformada por Andreas Vesalius, em seu livro “De humani corporis fabrica” (Gardner, Gray e O’Rahilly, 1978; Melo, 1989; História da Medicina, 2003; Vesalius, 2003). De acordo com Petry (2000) e Silvino (2001) nesta época a anatomia deu um grande passo para conquistar definitivamente o seu papel fundamental como “Ciência Básica”. Finalmente o cadáver desconhecido não só seria conhecido do público, como a partir dessa época passaria a ser, depois do professor, a figura mais importante no ensino da anatomia, sem esquecer do corpo discente (Chagas, 2001).
Vesalius em vez de apoiar-se em aparências, preferiu pesquisar todas as partes do corpo, corrigindo muitos erros cometidos por outros estudiosos anteriores a ele (DiDio, 2000; Vesalius, 2003; Teixeira, Galvão, Steiger et al, 2004). Segundo Melo (1989), Vesalius descobriu que várias das descrições de Galeno não estavam de acordo com os fatos observados. As dissecações públicas de Vesalius, demonstradas através de seu livro De Humani Corporis Fabrica comprovam que ele estabeleceu definitivamente o método correto de dissecação anatômica. As poses dos corpos dissecados lembram mais a vida que a morte, em alguns casos, o pano de fundo retrata paisagens naturais ou cidades italianas. Já a figura 30, retrata uma das pranchas de seu livro, a qual descreve todos os músculos superficiais do corpo. A postura do cadáver, sugeriu a posição anatômica, hoje padronizada, para o ensino de anatomia humana em todo mundo (Saunders, 1956; Chagas, 2001; Teixeira, Galvão, Steiger et al, 2004)...”
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É isso!

Fonte:
CARLA DE ALCÂNTARA FERREIRA QUEIROZ: “O USO DE CADÁVERES HUMANOS COMO INSTRUMENTO NA CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTO A PARTIR DE UMA VISÃO BIOÉTICA”. (Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais e Saúde, da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Católica de Goiás, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências Ambientais e Saúde. Orientador: Prof. Dr. José Nicolau Heck). Universidade Católica de Goiás. Goiânia, 2005.

Nota:
O título e as imagens inseridos no texto não se incluem na referida tese.As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.